Os 40 anos são um marco importante na vida de uma pessoa. É geralmente quando se observa a própria história em uma perspectiva de tempo: as realizações, o que ficou para trás e o que ainda está por vir. Na trajetória da Célula Mater, não é diferente. Os fundadores da clínica, Dr. Carlos Czeresnia e Dra. Lucila Pires Evangelista, relembram a caminhada de quatro décadas, da ideia embrionária de um professor e uma aluna à atual proposta de atendimento multidisciplinar, de olho em um projeto de disseminação de conhecimento.
De um lado, a visão. De outro, o pé no chão. O silêncio e o riso alto. A introspecção e a expansividade. Assim são Dr. Carlos Czeresnia e Dra. Lucila Pires Evangelista, fundadores da clínica Célula Mater. Parceiros profissionais há 40 anos, tiveram seus caminhos cruzados ainda na vida acadêmica. Ele residente, ela aluna. Nos dois, um olhar em comum para o exercício da medicina. “Personalidades completamente diferentes e medicamente tão complementares”, como bem define a enfermeira obstetra Roseli Monteiro, parceira de equipe da Célula Mater há 29 anos.
De lá para cá muita coisa se transformou. Para se ter uma ideia, quando eles começaram, a maternidade do hospital Albert Einstein, onde os dois passaram a atuar, não contava sequer com um plantonista obstetra. “Eu morava perto, então se aparecia urgência eles me chamavam”, conta Lucila, lembrando que não existia o trabalho de equipe que hoje é praxe. Era o médico que centralizava tudo. “Os médicos eram os “donos” dos pacientes. Tá nascendo, seu consultório tá lotado, trânsito… Você não chega. Então acontecia. Depois de alguns anos, entenderam que não tinha cabimento. Se chega uma hemorragia, uma urgência, um nenê mais complicado nascendo, não pode não ter um médico de plantão. Depois de muitos anos, começou a ter isso.”
Foi com muita obstinação, como eles contam na entrevista a seguir, que Lucila e Carlos foram, pouco a pouco, mudando o padrão de atendimento não só em sua clínica, mas também numa das maiores e mais prestigiosas maternidades do país: introduzindo novos métodos, uma forma mais acolhedora de dar assistência à mulher na gestação, no trabalho de parto e nas várias fases da vida, com menos intervenção, sem perder de vista o que a Medicina podia trazer de mais avançado e mais seguro.
Foram inúmeros plantões realizados, incontáveis bebês que ajudaram a trazer ao mundo, pesquisas inovadoras, e muitas e muitas mulheres impactadas com esse jeito particular de cuidar. E, claro, infinitas histórias para contar. Faltou tempo, claro. Tanto que esta é a primeira vez desde que tudo começou que os dois sentam juntos para dar uma entrevista – não sem interrupções, como é de se esperar na rotina de dois ginecologistas obstetras. A seguir, alguns trechos desse bate-papo tão rico.
Como começou a parceria de vocês?
Dra. Lucila: Fui aluna do Dr. Carlos e ficamos próximos quando trabalhamos na maternidade da Cruzada Pró-Infância [entidade fundada nos anos 30 dedicada a prestar assistência materno-infantil], há mais ou menos 50 anos. A gente dava plantão no mesmo dia e foi aí que começou a nossa amizade e proximidade. Comecei a ajudar o Carlos nas cirurgias do Inamps, o antigo SUS, onde ele também trabalhava. E depois fui cobrir as férias no consultório em que ele atendia na Paulista. Nessa época eu também trabalhava em uma clínica alemã, onde comecei as minhas consultas particulares. Depois disso, abrimos juntos, aqui na Gabriel Monteiro da Silva mesmo, a Clínica de Assistência à Mulher (CAM), em 1983.
Dr. Carlos, quando você abriu a clínica da Paulista, já tinha uma visão de como queria fazer o seu tipo de atendimento?
Dr. Carlos: Naquela época o atendimento era mais individual. Hoje em dia, é essa coisa mais multidisciplinar. Antes, a gente fazia de tudo.
O que é “fazer de tudo”?
Dr. Carlos: Oncologia, urologia, ginecologia, infectologia, obstetrícia e até neonatologia. Até aspiração do nenê a gente fazia.
Dra. Lucila e Dr. Carlos: Anestesia… (risos).
Dra. Lucila: Era a realidade. Fazíamos de tudo porque não tinha a estrutura de hoje. Na Cruzada Pró-Infância, se precisasse fazer uma cesárea, era “você e você” para realizar, por exemplo.
Isso significa que vocês tiveram uma escola que poucos têm atualmente?
Dra. Lucila: Eu acho que tem os dois lados da questão. Naquele tempo tinha que pôr a mão na massa e se virar. Por exemplo: fórceps. A técnica perfeita eu aprendi no HC, só que a prática de fazer quatro, cinco numa noite, é o que vai te aperfeiçoando. Esse aprendizado é mais monitorado e controlado hoje.
Dr. Carlos: Tivemos contato com grandes mestres no HC [Hospital das Clínicas, onde os dois atuaram], mas era uma coisa de você aprender olhando. Porque ensinar mesmo ninguém ensinava (risos). A sala de cirurgia da ginecologia ficava no meio do corredor e, sempre que tinha algo diferente, a gente abria a porta e entrava na sala.
Vocês foram os primeiros a formar, em clínica particular, uma equipe de enfermeiras obstetras que acompanham a gestante em todo o ciclo, da gestação, pré e pós parto, ao puerpério. Como isso se deu?
Dra. Lucila: O Dr. Carlos me chamava para ajudar em todos os partos. Eu era a auxiliar, a gente dividia o acompanhamento, e às vezes ficava 10, 12 horas. O Carlos foi o primeiro que disse que queria uma enfermeira que trabalhasse como obstetriz e acompanhasse o pré-Natal e fizesse os partos. A Débora Hornell foi a primeira. A gente começou a fazer isso quando abriu a primeira clínica de tijolinho [1983] . Foi uma coisa mesmo inovadora.
Dr. Carlos: Existiam as parteiras dos hospitais, mas não eram enfermeiras obstétricas. A assistência obstétrica era diferente do que é hoje em dia. A paciente chegava, fazia lavagem intestinal, cortavam os pelos pubianos…
Dra. Lucila: Tinha que raspar tudo…
Dr. Carlos: Ficava lá na cama, com a mãe, o marido não entrava. Quem acompanhava o parto era a parteira.
Dra Lucila: Não comia… Era assim…
Dr. Carlos: O médico chegava bem no finalzinho. Então elas [as pacientes] ficavam gritando, cada uma no seu canto. Era uma experiência bem difícil para as mulheres. Aí a gente começa a ter um atendimento…
Dra. Lucila: Pensar nisso de humanizar, de tratar com respeito.
Dr. Carlos: Com isso, a enfermeira obstétrica vem, e isso dá um “up” grande. Você começa a ser referência para os outros.
A analgesia era diferente também?
Dr. Carlos: A gente fazia a ráqui em sela [raquianestesia, técnica que bloqueia a sensibilidade em uma parte do corpo], era no finzinho. Depois começa a melhorar, não tinha nem cateter. Não tinha nada, mas por outro lado, exigia mais de você. A gente tinha que ser mais multivalente, saber fazer mais coisas, se virar. Não tinha essa infra de hoje.
Dra. Lucila: O Carlos sempre teve umas ideias mais avançadas, eu me lembro que tinha história de dar banho no bebê. Era uma briga.
Dr. Carlos: Muita briga…
Dra. Lucila: O pediatra falava: vai esfriar o nenê, isso e aquilo. Lembro que tinha a coisa de esperar mais pra cortar o cordão umbilical [atualmente é comum se esperar o cordão parar de pulsar antes de cortá-lo]. O Carlos falava: têm estudos lá fora mostrando que isso é melhor. Sempre baseado em ciência, não em achismo.
Dr. Carlos: A gente sempre fez com o objetivo de beneficiar o paciente. Não tinha essa coisa de Instagram, a gente queria dar um atendimento personalizado, menos agressivo, interferir menos, sempre foi a filosofia.
Dra. Lucila: Naturalmente, como os resultados eram diferentes, eram melhores, a clínica vai crescendo. Uma paciente fala para a outra: pra mim foi melhor, eu fiz assim. “Ah, não foi cesárea com hora marcada?”. “Não”. E isso vai passando para os outros colegas, então de uma forma ou de outra a gente acaba definindo um padrão melhor de atendimento. A gente foi pioneiro em muitas coisas. Ter ultrassom no consultório, por exemplo… Isso foi totalmente revolucionário.
Ficou com gostinho de quero mais?
Leia a entrevista na íntegra em nossa edição impressa! Ela estará disponível em breve na Célula Mater.