Mulheres, tremei: está na hora de tomar as rédeas de suas próprias vaginas. O prazer feminino está ao alcance de todas. Mas, às vezes, é preciso tatear o caminho até chegar lá (se é que vocês me entendem).
A libido feminina, tida como um mistério que desafia a ciência, está encoberta de camadas e camadas de mal-entendidos, que muitas vezes começam lá na infância.
Autora dos livros Garotas & Sexo e Cinderela comeu Minha Filha, a jornalista e escritora americana Peggy Orenstein pesquisa o assunto há pelo menos duas décadas. Em uma TED Talk ela descreve a maneira como os pais ensinam seus filhos pequenos sobre as partes do corpo.
Os meninos aprendem desde cedo onde fica o pipi. Mas, quando se trata de ensinar as meninas, a região dos genitais é uma zona nebulosa. ‘‘Não há melhor maneira de tornar algo inominável do que não nomeá-lo’’, diz a escritora.
Pior: não raro a menina é reprimida quando está em plena fase de descoberta de suas sensações. ‘‘Se uma menina de 3 anos ouve da mãe que mexer no clitóris é feio, essa lembrança fica gravada em algum lugar’’, diz a ginecologista e obstetra Natalia Zekhry, da Clínica Célula Mater.
A médica enfatiza que as informações sensoriais, principalmente na primeira infância, são primordiais. ‘‘Precisamos ensiná-las a cuidar, lavar, secar e – por que não? – que existe, sim, algo prazeroso na maneira de se tocar.’’
Quando chega o momento de educação sexual, o cenário não é melhor.
Na cartilha: ereção e ejaculação para eles, menstruação e gravidez precoce para elas.
‘‘Aqui, no consultório, costumo abordar a questão em três frentes: evitar a gravidez indesejada, o cuidado com as doenças sexualmente transmissíveis e a prevenção de experiências traumáticas’’, explica Natalia.
É justamente nessa terceira parte da conversa, em geral pouco falada, que cabe a discussão sobre o consentimento e o prazer feminino.
‘‘É fundamental que elas conheçam o próprio desejo, e que ele seja genuíno, para que possam decidir se querem ir além com o parceiro, não porque sentem que têm algum compromisso, porque precisam se afirmar, porque querem que o outro goste delas ou porque não querem mais sustentar o status de virgem’’, diz a médica.
Segundo Peggy Orenstein, é frequente que as meninas usem como critério de satisfação a medida do prazer do parceiro.
‘‘Elas dizem: se ele está satisfeito, eu estou satisfeita’’, conta a escritora. ‘‘Temos um mundo cheio de mulheres condicionadas a assumir formas e atitudes que agradem aos outros’’, complementa Natalia.
Orenstein cita também o maior estudo sobre sexualidade realizado nos Estados Unidos, em que as meninas relataram ter dor no ato sexual em 30% das vezes. na mesma pesquisa, elas usaram palavras como ‘‘humilhante’’, ‘‘depressivo’’ e ‘‘degradante’’ para descrever a relação.
A ginecologista e obstetra renata Franco Pimentel Mendes, também da Célula Mater, alerta para o fato de que os traumas do início da vida sexual possam ter um impacto negativo que perdura por anos a fio.
‘‘Uma das consequências pode ser o vaginismo, uma condição que leva a contrações involuntárias da musculatura perineal, causando dores na relação’’, conta a médica.
O tratamento do vaginismo envolve uma abordagem multifatorial, que inclui psicoterapia, para que a mulher compreenda e possa falar sobre o assunto abertamente, e uma fisioterapia da região do períneo, que auxilia na mudança da memória corporal.
A dor na relação também pode ser causada por outros fatores, como a endometriose e a redução dos níveis de estrógeno, característica da menopausa.
Mas a falta ou a diminuição do desejo não acontece apenas quando o ato sexual é doloroso. Num estudo americano que avaliou respostas de mais de 30 mil mulheres acima dos 18 anos, nada menos que 40% delas relataram ter baixa libido.
‘‘A gente sabe que a questão da libido feminina é multifatorial’’, diz Renata.
E bota multi nisso: estresse, cansaço, alterações na tireoide, diabete mal controlada, autoimagem negativa, tabagismo e até mesmo alguns medicamentos influenciam a vontade da mulher de ter relações.
‘‘A depressão e a ansiedade são outros fatores que contribuem para a disfunção sexual feminina, e o tratamento para essas patologias também pode impactar de maneira negativa a vida sexual da mulher’’, avisa Renata.
Natalia lembra de mais um elemento desestimulante: o uso prolongado de anticoncepcionais hormonais.
Para as mães no período pós-parto, o aumento da prolactina, aliado ao cansaço físico de cuidar de um bebê, costuma ter um efeito arrasador na atividade sexual do casal.
Embora essa seja uma fase passageira, o crescimento dos filhos traz outras dificuldades a serem contornadas.
“Uma das abordagens importantes é ver quanto tempo esse casal passa sem os filhos. Muitas vezes, o filho dorme na mesma cama, eles não viajam juntos, não saem só os dois, e então diminuem as atividades prazerosas que poderiam desencadear numa relação sexual.
A mulher precisa desses momentos de prazer para recuperar a libido’’, aconselha Renata.
Já na perimenopausa – o período que antecede a menopausa, que pode levar alguns anos -, há uma diminuição na produção de colágeno, que leva à atrofia vaginal e à redução da lubrificação.
‘‘Nem todas as mulheres sabem que isso já começa a acontecer mesmo antes de a mulher parar de menstruar’’, diz Renata. Nesses casos, a reposição hormonal diminui o desconforto na relação.
‘‘Outro método bastante em voga atualmente é o laser vaginal, que tem efeito positivo sobre o colágeno na menopausa.’’
De qualquer forma, é natural que a libido se transforme ao longo do tempo. ‘‘Com o avanço da idade, o desejo espontâneo pode diminuir, mas o desejo a partir do estímulo se mantém.
Ou seja: posso iniciar a relação sem estar com muita vontade, mas, à medida que o encontro acontece, a vontade surge’’, diz Natalia.
A médica também sugere que a mulher não deixe de lado seu interesse pelo prazer feminino e não se coloque de maneira passiva, mas que seja parte integrante dos jogos de sedução.
Ainda é bom lembrar que a prática frequente – com o parceiro ou sozinha – também ajuda o prazer feminino. ‘‘Assim como outros músculos, quanto mais é exercitado, melhor a sua elasticidade’’, explica Natalia.
Realizada em 2009 pela Universidade de Indiana, nos Estados Unidos, a Pesquisa Nacional Saúde e Comportamento Sexual entrevistou 5.865 americanos dos 18 aos 94 anos.
Quando o assunto é masturbação, há uma diferença considerável entre homens e mulheres. Embora boa parte delas já tenha experimentado a prática, apenas 7,9% relataram o hábito de se masturbar duas ou três vezes por semana, comparado a 23,4% dos homens na faixa etária entre 25 e 29 anos.
A partir dos 30 anos, 37% dizem não terem se masturbado nenhuma vez no último ano, e a porcentagem chega a 54% após os 60 anos. ‘‘Muitas se sentem envergonhadas, e eu acredito que seja também uma questão cultural’’, diz Renata Franco Mendes, ginecologista e obstetra da Célula Mater.
Além de ser um empecilho para uma vida sexual satisfatória, a falta de autoconhecimento e intimidade com o próprio corpo pode levar a uma condição conhecida como anorgasmia, que é a dificuldade ou a incapacidade de chegar ao orgasmo.
Essa é a segunda queixa mais frequente entre as mulheres com problemas sexuais. Embora seja difícil determinar em quantos casos de anorgasmia existe de fato uma causa fisiológica, é consenso que, em boa parte deles, a questão tem raízes psicológicas.
Para atacar esse problema, Renata costuma recomendar um site: OMGYES. Criado por mulheres que sentiam a falta de respaldo para falar sobre o prazer feminino, a plataforma disponibiliza entrevistas meticulosas com mulheres que compartilham (e demonstram) suas técnicas não só para chegar ao clímax como também para ter orgasmos mais intensos e mais frequentes.