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O desbravar

Para construir um legado de 40 anos são necessários muita persistência no enfrentamento dos desafios, confiança no que se faz, profissionalismo, ousadia e, por que não, algumas doses de diversão. Uma química que não faltou nos bastidores da jornada da Célula Mater, e serviu para solidificar os pilares de uma história de sucesso 

A primeira imagem que vem à cabeça é a de uma maratona. “A gente fazia cerca de 30 partos do Dr. Carlos e 20 da Dra. Lucila, pelo menos, por mês. Tínhamos entre 30 e 40 anos, muita vontade de trabalhar e não pensávamos no futuro. O foco era na produção e no agora”, lembra Lisiane Hoyos, há 33 anos na Célula Mater, e uma das primeiras profissionais a compor a equipe de enfermeiras obstetras da clínica. 

A intensidade inicial produzia reflexos práticos. No primeiro consultório, aberto em 1983, encontrar a sala de espera abarrotada era um clássico. Não raro esperava-se horas para ser atendido. “De manhã a gente ficava no HC [Hospital das Clínicas], no fim do dia na Paulista, depois no Inamps, e de lá íamos para o consultório, atendendo das 16h às 20h. Eram outros tempos”, lembra Dr. Carlos Czeresnia. Ter de administrar várias pacientes dando à luz num mesmo hospital, e até em hospitais diferentes, ao mesmo tempo, era comum. “A gente via a velocidade de um parto, do outro, e mais ou menos tentava conciliar”, conta Dra. Lucila Evangelista. Haja fôlego. 

O vaivém de lá para cá, o sobe e desce nas escadas, segundo consta, só era possível por conta do preparo físico de “atleta” do Dr. Carlos, cuja válvula de escape, sabe-se, sempre foi o futebol –  até hoje (ele é um dos poucos da sua turma que, aos 74 anos, ainda consegue perseguir a bola em campo). Em meio à rotina atribulada, algumas situações renderam memórias, no mínimo, curiosas. “Lembro do dia em que, ainda na primeira casa da clínica, o doutor desceu as escadas de madeira correndo com uma paciente ectópica [quando na gravidez o embrião se desenvolve fora da cavidade uterina] no colo, colocou no carro dele e levou para o hospital. Parecia cena de filme de super-herói”, recorda Roseli Monteiro, enfermeira obstetra e há 29 anos na Célula Mater. Liziane conta que, em outra ocasião, para chegar a tempo de atender a uma urgência, Dr. Carlos dirigiu o carro na contramão em uma movimentada avenida da zona sul de São Paulo. “Eu falava: ‘pelo amor de Deus, Dr. Carlos, vai bater esse carro’. E ele só respondia: ‘põe a mão para fora'”, diz ela. “E levava os retrovisores de todo mundo”, ri. 

Entre outras tantas histórias que presenciou, Roseli destaca o dia em que recebeu uma ligação de madrugada do médico pedindo para encontrá-lo na casa de uma paciente que estava em trabalho de parto: “Ele me pediu para ‘voar’ até o hospital e pegar material para levar até a casa dela, mas não desligou o celular. Enquanto me preparava, fui escutando tudo o que acontecia: Dr. Carlos chegando na casa, correndo nas escadas, até que de repente ouvi um choro. O bebê tinha nascido. Foi a primeira vez que acompanhei um parto por áudio”, diverte-se. 

Tanto tempo de atuação em conjunto criou relações de muita cumplicidade, especialmente entre esta equipe que fundamentou as bases da Célula Mater. 

Quem acompanhou a caminhada lembra das pedras na estrada, das curvas arriscadas, dos passos em falso e dos desvios sem saída. As histórias são vastas, ricas, inúmeras. Só de partos, são milhares – cada uma, única. Afinal, por mais normal que seja, um parto nunca é banal. É o inesperado, sempre iminente – e o final, sempre apoteótico – que fazem desse momento uma paixão pulsante para os obstetras da Célula Mater. “A gente nunca pode dizer que já viu de tudo. O fator surpresa é algo que nunca vai acabar”, diz Dra Lucila. “A gente sai da faculdade achando que sabe tudo, mas à medida que o tempo vai passando entende que muitas coisas não dependem só de você”, completa Dr. Carlos.

Não faltaram ocasiões para testar essa máxima. “Teve a história de uma paciente que estava grávida de 35 semanas, deveria ficar de repouso, mas resolveu ir para a praia. O que aconteceu? Entrou em trabalho de parto lá. As contrações vieram, e eu só pensava: ‘onde vai nascer esse prematuro?’. No lugar em que estavam não havia a menor estrutura para isso. Fui administrando por telefone. Por sorte, lembrei que o Dr. Carlos estava na casa dele na praia na mesma região. Não tive dúvidas: mandei a paciente para lá. Liguei para ele e só avisei: ‘olha, tá parindo, tá nascendo, tá cheia de contração, eu mandei ela ir praí’. No que o Dr. Carlos diz: ‘QUE?’. Aí falei: ‘onde você quer que nasça de 35 semanas? Na areia, no mar, na prancha?’ (risos). Nisso, o doutor já ligou para o posto de saúde e mandou vir uma ambulância para a casa dele. Pouco tempo depois, a parturiente chegou com o marido, e logo que deitou no sofá, a bolsa se rompeu. Imediatamente, o bebê nasce. Foi um fuzuê no condomínio. Todo mundo ficou sabendo que estava nascendo uma criança e as pessoas, maravilhadas, começaram a levar presentes: cobertor, lençol, banheira, enfeite de porta. Karen Zolko, vizinha de porta do condomínio da praia, lembra muito bem desse momento histórico. “A gente tirou a roupa da boneca da minha sobrinha para vestir o bebê”, conta. “Depois, me lembro do Carlos na praia, tão feliz que deu tudo certo, pagando caipirinha pra todo mundo”. 

Brincadeiras e histórias épicas à parte, com o passar dos anos, foi se desenhando um jeito muito próprio de atuar, reconhecido tanto na comunidade médica quanto pelas pacientes.  Ginecologista e obstetra, especializada em antroposofia, a Dra. Natalia Zekhry chegou à clínica em 2004 e conta que veio motivada pela filosofia de trabalho. Quando se formou, no início dos anos 2000, o entusiasmo pelo parto normal não era muito grande, segundo ela.”Na época, 80 a 85% dos considerados ‘bons médicos’ faziam cesárea. E parto normal era coisa de freak ou hippie. Tinha uma população muito pequena de médicos que bancava [o parto normal], como Dr. Carlos e Dra. Lucila”, diz ela. Pelo mesmo motivo, a paciente Debora Gelman veio parar na clínica. “Tive meus dois filhos de parto normal na Célula Mater, e foi essa busca, pelo parto mais natural possível, que me aproximou da clínica. Sempre me senti muito cuidada. Aprendi com Dr. Carlos os primeiros passos da amamentação, fiz o curso de gestante, e todo esse ambiente nos trouxe muita segurança para enfrentarmos os desafios dessa fase”, conta ela.

As sutilezas do “fazer” também viraram marcas registradas do DNA da clínica. “A segurança de quem conduz faz com que cada um na sala de parto possa exercer a sua função na tranquilidade, mesmo que seja uma emergência. Já vimos o Dr. Carlos em situações de muito estresse em que ele se manteve pleno. Brincamos que é o médico que tem coronárias de aço”, revela Roseli. Foi o que constatou a paciente Gabriela Mortarella Silvestrin, que passou por uma cirurgia intrauterina com 26 semanas de gestação. “Durante o ultrassom do 3o trimestre, foi diagnosticada uma cardiopatia no meu bebê. Era estenose aórtica. A cirurgia teria que ser imediata, e eu e meu marido ficamos naquele desespero. Dr. Carlos me acolheu no consultório, inclusive fora de horário, para aconselhar, explicar as possibilidades e montar a equipe. Na 26a semana de gravidez, fiz a cirurgia. No meio do procedimento, eu acordei assustada. Foi uma cena que nunca mais esqueço: Dr. Carlos estava na minha cabeça, segurando minha mão e disse: ‘eu tô aqui’. Tudo foi muito bem sucedido. Foi uma gestação de risco, com muito repouso, mas consegui chegar em 40 semanas e o Lorenzo nasceu superbem”, conta ela.

Preservar a relação médico-paciente se tornou um cuidado fundamental nas condutas da Célula Mater. Algo que, por vezes, extrapola as paredes do consultório e da sala de cirurgia. Dos 51 dias em que ficou internada quando estava grávida de seu segundo filho André, hoje com 25 anos, a paciente Janine Saponara lembra da companhia do Dr. Carlos nos domingos de jogos do Corinthians. “Ele ia lá e ficava comigo assistindo às partidas. Torcia, xingava (risos). Lembro de uma vez em que comemos juntos a esfiha que a minha sogra fazia, que era maravilhosa. Ele gostou tanto que disse que queria uma bacia. No dia em que meu filho nasceu, fiz questão de pedir para a minha sogra preparar. E não é que ele levou mesmo a bacia para casa?”, conta. Quem também costumava receber visitas do Dr. Carlos  em um período em que esteve no hospital é a paciente Luci Wilhelmine Dresbach. À época, o motivo da internação de Luci nada tinha a ver com questões ginecológicas. “Fiz uma cirurgia de intestino como outro médico e ele passava lá. Lembro que dizia: ‘oi Luci, como você está? Acabei de fazer um parto e vim te ver’. Além de ótimo médico, sempre foi muito gentil e amoroso comigo. Uma vez brinquei que eu deveria ser a sua paciente mais idosa, pois tenho 85 anos. Para a minha surpresa, ele disse que não!”, relembra. 

Já Diana Blay, paciente desde 1986, recorda das trocas e conversas com o médico sobre literatura, entre uma consulta e outra, e diz que chegou até a participar, a convite do Dr. Carlos e na casa do próprio, de aulas sobre literatura russa. Dela participava também dra. Lucila – que, desde então, se dedicou a aprender russo. “Aquilo abriu o meu mundo. Foi muito impactante para mim conhecer os participantes, muitos profissionais da clínica, expondo suas impressões e opiniões sobre um outro universo, em um ambiente distinto do consultório. Hoje, as consultas prosseguem e nossos papos têm um sabor diferente, se estendendo para política e viagens”, diz Diana.

“Sair da caixa” sempre foi um incentivo. Da reciclagem e atualização médica constante da equipe, ao envolvimento em pesquisas diversas. No passado, quando pouco se falava em parto de cócoras, Dr. Carlos e Dra Lucila trataram de ir para Curitiba aprender com o “papa” desse método no Brasil, Dr. Moysés Paciornik, que estudava o parto das mulheres indígenas. Como resultado, implantaram a primeira cadeira para parto de cócoras do hospital Albert Einstein. Essa foi apenas uma das mudanças que a dupla Carlos e Lucila foi aos poucos estabelecendo no centro obstétrico do Einstein: banheira para a paciente em trabalho de parto, banho do bebê ainda dentro do quarto, entre outras (na entrevista da página xx, eles contam mais sobre esses pioneirismos). “O Carlos sempre teve ideias avançadas. Sempre nesse sentido de tornar tudo mais suave, de não ser “nasceu, leva para o berçário”. Antigamente usava-se uma mesa especial para o parto de cócoras, e foi o Carlos que conseguiu trazer esse equipamento para o Einstein. Lembro também que tinha a coisa de demorar mais pra cortar o cordão umbilical. O Carlos falava: “existem estudos lá fora mostrando que isso é melhor”. Sempre baseado em ciência, não em achismo. Fomos pioneiros em muitas coisas, como ter um aparelho de ultrassom dentro da clínica, algo que passou, de forma geral, a ser incorporado tanto na consulta ginecológica quanto obstétrica”, lembra Dra. Lucila Evangelista.

A realização de parto de trigêmeos em datas diferentes também foi uma das iniciativas precursoras da clínica – o primeiro caso aconteceu em 2000. “Depois vieram outros”, afirma Dr. Carlos. Como o de Juliana Pinheiro Fachada, em 2005, que foi internada com 28 semanas de gestação após o rompimento de uma das bolsas. “Fui para a sala de parto achando que nasceriam os três. Primeiro, veio a Sofia. Foi quando o Dr. Carlos me disse uma frase de que sempre me lembro: ‘essa é a história da Sofia, a bolsa rompeu. Vamos tentar segurar os outros dois? Cada dia a mais na barriga, são três dias a menos na UTI’. Sem saber exatamente o que responder, eu perguntei o que ele faria se fossem seus filhos. Ele me disse que seguraria. Nem pensei muito: fui para o quarto com um bebê na UTI e os outros dois na barriga. Doze dias depois, Helena e Felipe nasceram, super bem e saudáveis. Dr. Carlos salvou a vida dos meus filhos. E tudo foi na hora do parto, nada havia sido conversado antes. Foi algo intuitivo dele. Se os bebês tivessem nascido antes, não sei se aguentariam. Olhando para trás vejo como fez diferença, em termos de desenvolvimento, os outros dias que os dois ficaram na barriga. Até eles completarem um ano era algo bem nítido. Os gêmeos andaram primeiro enquanto a Sofia demorou mais, por exemplo”, relata ela.

As inovações foram além do parto e das consultas obstétricas. Entre as mais relevantes, o estabelecimento de uma parceria com o Projeto Genoma da USP, em 2007, que rendeu estudos experimentais na área de genética a partir do uso de células-tronco do cordão umbilical e a aplicação de suas propriedades de modulação e antiinflamatórias. “Chegamos a fornecer essas células para acelerar o processo de cicatrização de onças do Pantanal que sofreram com queimadas”, explica Dra. Lucila. Outro caso foi o de uma criança que teve 80% do corpo queimado e recebeu o material para tratamento. “Doamos células-tronco de cordão umbilical para cobrir a superfície corpórea dessa criança, o que acelerou muito o processo de cicatrização, evitando infecções. Foi um sucesso”, lembra, com orgulho, Dr. Carlos. Alguns dos trabalhos foram publicados em revistas científicas e resultaram em importantes reconhecimentos, como o Prêmio Saúde na Categoria Saúde da Mulher, em anos consecutivos, 2009 e 2010, pelo estudo de novas fontes de células-tronco multipotentes descartadas em cirurgia e uso de células-tronco no tratamento de osteoporose e doenças ósseas, além da criação de uma empresa de armazenamento de células-tronco. “Se você não ousa, não inova. Tem que ter filtro, claro, mas é preciso trazer ideias. Isso sempre foi fundamental para a Célula Mater”, atesta Dra. Lucila.

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