Não é de hoje que a dupla álcool e gestação sofre de incompatibilidade de gêneros. Ao que tudo indica, a questão é irreversível.
Diferente de outros vilões da medicina, que vira e mexe a ciência transforma em mocinhos, o álcool, quando ingerido nessa fase, parece mesmo não ter jeito.
Basta digitar as duas palavras em qualquer site de busca para ver diante de uma enxurrada de pesquisas, mostrando que ele pode de fato ser considerado um veneno para o feto em formação.
Já foi comprovado que a substância consegue facilmente atravessar a proteção da placenta e chegar ao feto, podendo provocar uma diminuição na quantidade de oxigênio, o que pode alterar o desenvolvimento do seu cérebro, dos ossos, do coração e do sistema nervoso central, além de prejudicar o fígado do bebê.
Não sem motivo, portanto, órgãos como a Organização Mundial de Saúde e as instituições norte-americanas ligadas ao assunto são a favor da abstinência total durante a gestação.
“Já na Europa, os especialistas são mais condescendentes e não condenam a ingestão de um drinque ocasional”, conta a ginecologista e obstetra Lucila Pires Evangelista, da Clínica Célula Mater.
A discrepância entre o que dizem uns e o que apregoam outros acaba deixando as grávidas confusas. Mas, se não há um consenso sobre os efeitos maléficos de um drinque eventual, qualquer ingestão maior deve, sim, ser evitada.
A lista de pesquisas demonstrando essa tese não para de crescer. Uma delas, feita na Irlanda e publicada no periódico científico BMC Pregnancy and Childbirth, revelou que o consumo apenas de uma taça de vinho por dia aumenta as chances de aborto espontâneo, de parto prematuro ou de bebês com peso muito abaixo do ideal.
Outro trabalho, esse feito na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo, mostrou que os efeitos prejudiciais da substância podem ser sentidos lá na frente, quando as crianças estiverem em idade escolar.
Para chegar a essa conclusão, os pesquisadores avaliaram pequenos cujas mães afirmaram ter ingerido, durante a gravidez, três ou mais doses, por vez, por mais de nove dias.
Avaliadas em testes de abstração, atenção, concentração, memorização e julgamento crítico, essas crianças obtiveram pontuações menores que as alcançadas por filhos de mães que maneiraram mais na bebida alcoólica no mesmo período.
Em casos mais graves, quando a mãe sofre de alcoolismo, abusa dos drinques com frequência ou ingere pelo menos uma dose diária de bebidas mais fortes, como os destilados, o risco é de o bebê vir ao mundo com a chamada síndrome alcoólica fetal.
Trata-se de um problema que afeta cerca de 30 mil crianças nascidas atualmente no Brasil e é caracterizada por alterações físicas, como deformação de ossos, estrabismo, problemas no sistema nervoso central, no coração e mentais, além de atraso no desenvolvimento neuropsicomotor e hiperatividade.
Pouco conhecida, a síndrome vem ganhando tamanha importância que, nos Estados Unidos, virou alvo de uma campanha de conscientização.
No início da gravidez, há bons indícios de que o cuidado deve ser redobrado.
Um trabalho publicado recentemente no periódico Journal of Epidemiology and Comunity Health, realizado na Universidade de Leeds, na Grã-Bretanha, alertou que a ingestão de bebidas alcoólicas nessa fase pode aumentar as chances de o bebê nascer prematuro ou com peso abaixo do esperado.
A investigação foi feita com voluntárias, que admitiram tomar mais de duas doses por semana, mas os pesquisadores garantem que mesmo as mulheres que não chegam a esse nível têm o risco aumentado de apresentar esses problemas. Já outra pesquisa, essa feita no University College, de Londres, na Inglaterra, envolvendo cerca de 10,5 mil crianças, mostrou que um drinque ocasional não provoca problemas físicos, de comportamento ou de desenvolvimento de habilidades mentais.
No Brasil, assim como nos Estados Unidos, o Ministério da Saúde também defende a teoria de que o ideal é deixar os goles para depois, mas alguns especialistas acreditam que não é preciso ser tão radical assim, pois poucos estudos avaliaram os efeitos de pequenas doses.
“Os trabalhos sérios foram feitos com voluntárias com perfil próximo ao de alcoólatra, e muitas delas bebiam uma dose ou mais de destilado por dia”, conta Lucila. “É claro que o ideal seria evitar beber, mas não existem evidências de que tomar uma taça de vinho ocasionalmente possa ser prejudicial”, afirma.
Por essa razão, ninguém precisa se sentir culpada porque tomou um drinque quando ainda não sabia que estava esperando um bebê ou acabou sucumbindo durante um brinde em uma comemoração especial. Mas isso não é um alvará para que as grávidas transformem isso em um hábito.
“O indicado é que a bebida não vire algo sistemático e que elas tenham um cuidado ainda mais especial nos primeiros três meses de gestação, quando o feto está em formação”, alerta Lucila.
Assim como acontece na gestação, a ciência não tem como estabelecer níveis seguros para a ingestão de álcool quando o bebê está mamando no peito. Mas a recomendação de evitar ao máximo esse tipo de bebida continua valendo, especialmente no caso das destiladas, que têm um teor alcoólico maior.
Estudos revelaram que 16% do álcool ingerido pela mãe chega ao lactente, podendo provocar a diminuição no apetite, prejuízos no seu sono e, em casos extremos, até problemas no desenvolvimento motor.
E não pense que esperar algum tempo entre a ingestão da bebida e o momento da amamentação resolve a questão, pois a substância demora algumas horas para ser eliminada totalmente pelo organismo da mulher.
Se beber uma taça de vez em quando na gravidez é aceitável, não se pode dizer o mesmo sobre o cigarro.
Fumar prejudica a criança antes mesmo de ela ser concebida, pois estudos comprovaram que os tabagistas têm mais dificuldade para gerar um filho.
Depois que o feto está se desenvolvendo, o contato com as substâncias nocivas do cigarro, em especial a nicotina e o monóxido de carbono, pode provocar abortos espontâneos, nascimentos prematuros, bebês abaixo do peso, complicações com a placenta e episódios de hemorragia. Além disso, ele pode danificar os vasos sanguíneos do feto e o sistema cardiovascular como um todo, provocar problemas pulmonares na mãe e no filho e até levar à dependência química da criança que ainda nem chegou ao mundo.
O ideal é que a mulher abandone o hábito um ano antes de tentar engravidar para que o corpo passe por uma desintoxicação.
Fonte: Revista Célula Mater Press, edição nº 10, 2015.
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Reportagem: Thaís Szego
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