Se já é difícil para muitos pais verem seus filhos se tornarem adolescentes, imagine quando essa mudança acontece aos 6 anos de idade. Sim: há crianças que já no jardim da infância dão sinais de que seu corpo está virando o de um adulto, como o crescimento dos seios ou dos pelos púbicos.
O quadro, conhecido como puberdade precoce, atinge meninos e meninas, mas é bem mais comum entre elas – e deve ser tratado o quanto antes. “Se as mães notarem algum desses sinais antes dos 8 anos, é preciso procurar um médico”, alerta a ginecologista e obstetra da Célula Mater Fernanda Plotzky.
Há evidências de que a puberdade vem chegando mais cedo à medida que o tempo passa – para ter uma ideia, nos anos 1970 a primeira menstruação chegava, em média, entre 13 e 15 anos. Hoje, as meninas ficam menstruadas entre 11 e 12 anos. Mas algumas fogem bastante da média. E, a despeito de todos os avanços da medicina, ainda não se sabe por quê.
Quem dá a largada para o processo que vai culminar na primeira menstruação é o hipotálamo, glândula localizada no cérebro. Em determinado momento, ele aciona o aviso para ovários e testículos começarem a fabricação de estrógeno e testosterona.
Só que esse é o resultado de uma intrincada rede de mecanismos, que envolvem desde a genética até a quantidade de gordura corporal. Pois é: não bastassem todos os males causados pela obesidade, ainda tem mais essa.
Um estudo realizado na Universidade de Ohio analisou 1,2 mil garotas durante sete anos e comprovou algo que os cientistas já desconfiavam: quanto maior o Índice de Massa Corporal, mais cedo começa a puberdade. “Quando se come demais, o organismo precisa produzir mais insulina para armazenar a energia extra”, explica Fernanda..
“A insulina é também um hormônio de crescimento, e acredita-se que ela esteja de alguma maneira ligada à deflagração da puberdade.”
Outro importante estudo, feito em conjunto por pesquisadores da Universidade de São Paulo e da Universidade de Harvard, analisou a genética de famílias em que a idade média da entrada na puberdade era de 6 anos. Revelou-se que parte do mistério pode estar em um gene chamado MKRN3 – que, nessas famílias, não funcionava como na maioria das pessoas.
É mais uma peça-chave para desvendar o quebra-cabeças. Mas ainda há muitas outras faltando. “Hoje conseguimos descobrir a causa do distúrbio em menos da metade dos casos”, conta Fernanda.
Atualmente, a teoria mais aceita para explicar a puberdade precoce não culpa algo de dentro do organismo, mas de fora: a exposição de crianças cada vez mais cedo à sexualidade. “A televisão, a internet, a escola, os amigos…
Tudo ao redor da criança coloca a sexualidade à mostra”, lembra Fernanda. “Não é algo que se possa evitar, e por isso não adianta fingir que nada está acontecendo – o melhor é procurar estabelecer um diálogo para que a criança tenha parâmetros para lidar com o mundo à sua volta”, aconselha a médica.
Para o psiquiatra e psicanalista Mauro Mercadante, do Instituto Sedes Sapientiae, em São Paulo, ao lidar com um filho que tem o distúrbio, os pais devem ser o mais transparente possível. “Uma criança com menos de 8 anos ainda não tem a compreensão necessária para entender as mudanças no seu corpo”, diz Mercadante”.
Após os 9 anos, ela entra em um processo de modificações de uma série de funções neurológicas, que justamente vão ajudá-la a lidar com essas mudanças.” Ele explica que, se a maturação do corpo acontece antes do tempo, rompe-se a sincronia entre a idade física e a mental, o que afeta o desenvolvimento emocional da criança.
Para piorar, ela passa a ser percebida de forma diferente pela sociedade. É difícil fazer os outros entenderem que, embora mude a sua forma física, ela ainda é, antes de mais nada, uma criança.
“Sempre aconselho os pais a serem simples e diretos com seu filho, para que ele possa se proteger.” Mercadante recomenda também que o tratamento psicológico envolva todos os círculos, como a escola e os pais.
Mas as consequências não são apenas emocionais. O principal problema a ser evitado é a baixa estatura. Isso porque o estrogênio é responsável por avisar os ossos de que está na hora de parar de crescer. Cedo demais para uma criança de 5 ou 6 anos de idade, cuja altura não chega à metade do que seria na vida adulta.
E não é só: “Mulheres que tiveram puberdade precoce também tendem a ter uma maior incidência de ovários policísticos e irregularidades menstruais”, explica Fernanda.
A boa notícia é: quando descoberto e tratado logo, o distúrbio não tem sequelas graves. Por isso, se desconfiar de que algo está errado, não espere para levar a criança ao médico – que, por meio do raio X do punho, pode identificar se as extremidades dos ossos estão se fechando em decorrência do bombardeio de hormônios.
Compara-se a idade óssea com a idade cronológica: se houver uma diferença relevante, confirma-se o quadro.
A partir daí, é possível lançar mão de medicamentos injetáveis, que bloqueiam a ação dos hormônios sexuais.
O tratamento dura até as idades óssea e cronológica estarem equivalentes. “Quanto antes descoberto o problema, maiores as chances de a criança se desenvolver normalmente, atingir uma boa estatura e ter menos sequelas”, conclui Fernanda.
Fonte: Revista Célula Mater, edição nº06, 2013.
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Reportagem: Gabriela Scheinberg
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